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Bullying: Satisfação com a vida e com a família e violência interpessoal na adolescência


Sabe-se que a adolescência é um período desenvolvimental marcado por mudanças físicas e emocionais no qual o grupo de pares assume significativa importância, ao mesmo tempo em que as relações com os pais e a família podem ser permeadas por conflitos (Bukowski, Brendgen, & Vitaro, 2007; Cerqueira-Santos, Neto, & Koller, 2014; Grusec & Davidov, 2007). A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde do Brasil entendem que a adolescência inicia por volta dos 10 anos, encerrando-se aos 19 anos, 11 meses e 29 dias (Brasil, 2010). Além disso, e, talvez, mais importante, a adolescência pode ser definida não apenas a partir das transformações biológicas que ocorrem nessa etapa, mas principalmente a partir das tarefas desenvolvimentais - cognitivas, psicossociais e emocionais - desse período do desenvolvimento. Embora as tarefas desenvolvimentais típicas da adolescência sejam influenciadas por aspectos culturais específicos, é possível pensar em características universais dos adolescentes de diferentes épocas e de diferentes culturas e, assim, os estudos transculturais adquirem relevância (Cerqueira-Santos et al., 2014). Na adolescência, o grupo de pares ganha importância e permite ao adolescente conectar-se com o mundo social, deixando a relação com os pais menos central. Os amigos e colegas estabelecem o elo entre o ambiente familiar e o contexto social, pois é a partir das vivências e interações entre pares que os adolescentes internalizarão a cultura, as normas e as regras de convívio social e grupal dos ambientes dos quais participam (Cerqueira-Santos et al., 2014). A exclusão social (ficar isolado do grupo de pares), por sua vez, pode prejudicar significativamente a construção da identidade dos jovens, afetando seu bem-estar subjetivo e, somada ao afastamento dos pais, pode acarretar sentimentos intensos de desamparo nos jovens. Tais sentimentos podem ser encontrados em vítimas de bullying que, com frequência, referem sintomas de depressão e ansiedade, ideação suicida, entre outros (Ferreira & Schramm, 2000; Radliff, Wheaton, Robinson, & Morris, 2012). O bullying refere-se a comportamentos violentos isolados e intencionais que envolvem agressões verbais (ofensas, apelidos pejorativos, fofocas), físicas (socos, tapas, empurrões) ou relacionais (exclusão do grupo, humilhações) praticados por colega(s) ou outra(s) pessoa(s) de idade igual ou semelhante. Esse fenômeno se apresenta de forma sistemática e envolve os mesmos personagens (vítimas e agressores) em uma relação desigual de poder. O bullying é um subtipo de violência interpessoal. Desde que Dan Olweus, na década de 1970, iniciou seus estudos a respeito de bullying na Noruega, parece ser consenso entre os pesquisadores que o fenômeno refere-se a todas as formas de atitudes agressivas, intencionais e repetidas adotadas por um ou mais indivíduos contra outro(s) e executadas dentro de uma relação desigual de poder, sem motivações evidentes, causando dor, angústia e humilhação (Braga & Lisboa, 2010; Malta et al., 2010; Nansel et al., 2004; Olweus, 1993; Pearce & Thompson, 1998). Em relação à faixa etária, um estudo realizado em 35 países e regiões apontou maior prevalência de bullying entre crianças de 11 a 13 anos de idade (Craig & Harel, 2004). Esse estudo demonstrou também que meninos se envolvem mais nesses comportamentos do que meninas. No entanto, apesar de muitos estudos apontarem isso, sabe-se que as meninas também se envolvem nesse tipo de violência, mas pode ser que os instrumentos de avaliação sejam menos sensíveis às formas de agressividade feminina, que são mais sutis e indiretas. Além disso, a agressão é menos aceitável culturalmente para as meninas do que para os meninos, e essa expectativa pode gerar um viés que interfere na identificação da agressividade no gênero feminino (Archer & Coyne, 2005; Campbell, 1999). É importante destacar que se evidencia uma ausência de unanimidade entre os pesquisadores em relação à forma de avaliar a violência interpessoal, o que pode justificar as diferenças de prevalência encontradas e as diferenças de gênero. Embora pesquisas internacionais apontem para estimativas em torno de 11% em relação a sofrer bullying (Currie et al., 2004, 2012; Matos et al., 2011; Nansel et al., 2004), o estudo de Luk, Wang e Simons-Morton (2012), ao analisar o envolvimento de adolescentes nos diferentes tipos de bullying, encontrou percentuais que variaram de 8,9% referente a ciberbullying 37,9% para bullying verbal. Outro aspecto que influencia na identificação e no cálculo de prevalência do bullying é que, por vezes, as crianças/adolescentes não compreendem o conceito e podem acreditar que o bullying não está presente em sua escola. Diferentes estudos apontam para o fato de que o envolvimento em situações de violência, entre elas a violência entre pares e o bullying, pode comprometer o desenvolvimento físico, social, cognitivo e psicológico de todos os indivíduos envolvidos: vítimas, agressores ou aqueles que oscilam entre os papéis de vítima e agressor (Ferreira & Schramm, 2000; Nansel et al., 2004). Além disso, esses efeitos se estendem não somente à infância e à adolescência, como também à idade adulta. Entre os possíveis prejuízos causados por esse fenômeno estão problemas de autoestima e satisfação com a vida e de relacionamento com os pares; dificuldades na aprendizagem; evasão escolar; uso de álcool, tabaco e drogas ilícitas; comportamentos violentos; transtorno da conduta; sintomas psicossomáticos; depressão e suicídio (Ferreira & Schramm, 2000; Nansel et al., 2004; Radliff et al., 2012). No estudo de Tortorelli, Carreiro e Araújo (2010), foi possível estabelecer uma relação entre a percepção do aumento de situações de violência familiar e o maior relato de violência escolar, ou seja, observou-se uma associação entre o convívio familiar e o escolar. Os pesquisadores perceberam que os jovens que referiram seu ambiente familiar como mais acolhedor e de maior suporte evidenciaram menor frequência de expressão de violência no ambiente escolar. A família, seja pela dinâmica estabelecida entre seus membros ou pelos estilos parentais, pode configurar-se tanto em uma estrutura protetora como de risco para o desenvolvimento de comportamentos violentos por parte dos filhos adolescentes (Barreira, Lima, & Avanci, 2013; T. I. Herrenkohl, Hong, Klika, Herrenkohl, & Russo, 2012; Tortorelli et al., 2010). Nesse sentido, um importante fator de proteção para o envolvimento de adolescentes nas diferentes situações de violência pode ser uma relação próxima e saudável com os pais. O tipo de vínculo estabelecido entre pais e filhos é um importante fator para a promoção de saúde mental (Hauck et. al., 2006). Uma relação familiar adequada e consistente, permeada por vínculos de carinho e segurança, pode ser um fator relevante de proteção em relação ao desenvolvimento de psicopatologias na infância e na adolescência, e ao envolvimento em situações de violência (Cia, D'Affonseca, & Barham, 2004; Cia, Pamplin, & Williams, 2008). Por sua vez, uma relação pais-filhos pautada pela insegurança deixa crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade emocional e afetiva, o que pode predispor ao envolvimento com o bullying (Hauck et al., 2006).



Fonte: Revista Brasileira de Terapia Cognitiva, vol. 10, nº 01, jan./jun. de 2014.

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